A tragédia anunciada
23, Fev. 2022
Por Antonio Penteado Mendonça, O Estado de S.Paulo
As chuvas torrenciais que destruíram parte da cidade de
Petrópolis foram as mais fortes da história, mas não se pode dizer que eram
inesperadas. Não eram, como não são as chuvas que caem todos os verões em São
Paulo, Minas Gerais e Santa Catarina.
Entra ano, sai ano, o retrato se repete com mudança na ordem
de entrada, na violência das tempestades, no tamanho dos danos, mas, grosso
modo, sempre o mesmo e sempre com os mesmos resultados. Uma trilha de
destruição causada pela enxurrada, pelo deslizamento de morros e pelo desmoronamento
de prédios.
O fenômeno não tem nada de inédito. Me lembro, eu criança,
ouvindo sobre as enchentes no sul de Santa Catarina, a serra que desceu sobre
Caraguatatuba, o Monte Serrat desmoronando em Santos e as chuvas que destruíram
Petrópolis. Daí pra frente, não me recordo de verão sem alguma destruição
causada pelas tempestades que assolam o Brasil nesta época do ano.
O duro é que vai continuar se repetindo, variando apenas os
locais mais atingidos, mas com um fato novo: a violência das tempestades está
crescendo de intensidade, em consequência das mudanças climáticas que alteram a
rotina do planeta. Os fenômenos estão mais violentos e sua frequência tem
aumentado, causando danos inéditos a populações as mais variadas, nos mais
distantes cantos da terra.
Os fenômenos naturais no ano passado causaram, ao redor do
mundo, danos de mais de US$ 250 bilhões, dos quais mais ou menos US$ 120
bilhões foram indenizados pelas companhias de seguros, principalmente em
decorrência dos sinistros acontecidos nos Estados Unidos, China e Alemanha.
O Brasil está entre as nações onde as indenizações de
seguros para esses tipos de eventos são insignificantes. O problema é que, do
outro lado, a ONU (Organização das Nações Unidas) coloca o País entre os dez
mais atingidos por fenômenos de origem climática.
As razões para isso são conhecidas, e a primeira e mais
importante é que o Brasil contrata,
historicamente, poucos seguros de maneira geral e para esses
riscos em particular. Para explicar isso entram em cena a péssima distribuição
de renda e a falta de tradição em contratar seguros.
Como metade da população ganha ao redor de um salário mínimo
mensal, não há como se falar em contratarem seguros. E os que poderiam
contratar, em sua grande maioria, não sabem que os seguros existem.
O drama ganha uma dimensão mais triste pelo fato de que os
moradores das áreas mais atingidas são justamente os mais pobres, que se
instalam nelas por falta de opção.
Aqui cabe falar no descaso das autoridades, que é vergonhoso
e tem consequências dramáticas, porque aumenta o risco dos que estão instalados
nas áreas mais vulneráveis, algumas das quais, tanto faz o ano, acabam sempre
atingidas.
De qualquer forma, não é mais possível adiar. O País precisa
repensar suas medidas de proteção, desde a interdição de determinadas áreas até
o desenvolvimento de novos tipos de seguros, desenhados para fazer frente à
realidade nacional.
SÓCIO DE PENTEADO MENDONÇA E CHAR ADVOCACIA E SECRETÁRIO-GERAL DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS
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