'O ESG Praticado por investidores não irá salvar o mundo, diz especialista em questões socioambientais’
23, Mar. 2022
Para o economista Gustavo Pimentel, a guerra na Ucrânia
dividiu a comunidade global, levando muitos a buscarem dissociar seus
investimentos da Rússia
Por Daniela Chiaretti
- Fonte: O Globo
SÃO PAULO — A guerra
na Ucrânia está dividindo o debate da comunidade ESG global : os investidores
devem retirar seus recursos da Rússia? O tema está na origem dos investimentos éticos
que surgiram no final dos anos 60, excluíram ativos conectados à Guerra do
Vietnã e ao apartheid da África do Sul e são a semente do movimento ESG.
Para dar mais tensão ao debate, a indústria da defesa
pleiteia ser um setor de impacto positivo, nas discussões de taxonomia social
em curso na União Europeia, por mais bizarra que a iniciativa pareça ser.
Segundo números da Global Sustainable Investment Alliance
(GSIA), há US$ 35 trilhões
investidos com uma ou mais das cinco abordagens ESG, da mais
pragmática à mais ativista.
Segundo a Morningstar, que avalia fundos de investimento,
existem US$ 2,7 trilhões em fundos que se vendem como ESG e operam realmente
com lentes ambientais, sociais e de governança sustentáveis.
"Vejo o risco de empresas começarem a fazer
sustentabilidade só para atender os investidores e deixarem de ter uma conexão
com propósitos. É um risco fazer só o que dá dinheiro e nos prazos compatíveis
com o que o investidor espera”, diz o economista Gustavo Pimentel, um dos mais
reconhecidos analistas socioambientais do mercado.
“De qualquer modo, é
bom notar que o ESG praticado pelos investidores não salvará o mundo.
O setor privado tem grande contribuição a dar, mas só chega
até um certo ponto", completa.
Pimentel trabalha com ESG desde 2004, data em que o termo
foi cunhado por um grupo de pesquisadores de um braço do programa ambiental da
ONU que cuidava de finanças, o UnepFI. Foi fundador e diretor executivo da
Sitawi, organização brasileira que busca mobilizarcapital para investimentos de
impacto positivo.
ESG é um nome novo para algo que já existia no setor
privado, mais especificamente ao mercado financeiro, mas Pimentel não nega o
crescimento do movimento e sua importância no processo de descarbonização
global.
Acaba de ocorrer um “spin off” do programa de finanças
sustentáveis da Sitawi e formou-se a
Natural Intelligence (Nint), que nasce com 11 anos de
experiência em mais de 700 projetos para 250 clientes e um time de cem pessoas.
Pimentel é fundador e CEO da Nint.
“Tem quem diga que ESG pode significar qualquer coisa para
qualquer um", reconhece o consultor. "Mas existem cinco claras
abordagens ESG e o investidor está se qualificando cadavez mais”, continua.
A seguir trechos da entrevista que concedeu ao Prática ESG,
em que falou das tendências do movimento que virou febre entre empresas:
Como surgiu o movimento ESG?
A sigla foi cunhada em 2004, mas existiam conceitos que já
ocupavam o mesmo espaço para empresas e também no mercado de investimentos
desde os anos 60. Era uma abordagem praticada por gestores de recursos
independentes, fundos de pensão e entidades ligadas a instituições religiosas
que não queriam investir em empresas com problemas de direitos humanos, muito
poluidoras ou em países em conflito.
ESG é um nome novo para um conceito que já existe?
Definitivamente. É um nome para algo que já existia, que é
ligado ao setor privado, mais especificamente ao mercado financeiro.
Por ter nascido no mercado financeiro não pode fazer com
que seja voltado apenas ao que dá
dinheiro e não ao que é bom para o planeta?
Vejo o risco de empresas começarem a fazer sustentabilidade
só para atender os investidores e deixarem de ter uma conexão com propósitos.
Mas é bom notar que o ESG praticado pelos
investidores não irá salvar o mundo. Precisamos de melhor
regulação, de acordos globais. O setor privado tem grande contribuição a dar,
mas só chega até um certo ponto.
Há muito debate na comunidade ESG sobre os impactos da
invasão da Ucrânia pela Rússia?
Mjuito. Investidores que compram papéis russos deveriam
vendê-los e deixar de financiar indiretamente a guerra? E além disso, a
indústria militar armamentista europeia está pleiteando ser incluída como uma
atividade de impacto social positivo.
É brincadeira?
Verdade. O argumento é que é uma indústria de defesa e, se
fosse forte, a Ucrânia poderia estar bem armada e resistindo melhor à invasão
russa. Guerra e investimentos em regimes nãodemocráticos estão na origem do que
se tornou o movimento ESG. O Social Responsable Investing (SRI) nasceu no fim
dos anos 60-70, com investidores deixando de investir no Vietnã durante a
guerra e em negócios na África do Sul durante o apartheid.
Essa discussão agora divide a comunidade ESG no mundo?
É um debate sim, e que traz um desafio de execução. A
importância para a economia global dos anos 70 do Vietnã ou da África do Sul
era muito menor do que a da Rússia, o país boicotado
E ninguém quer comprar.
Exato. Tem pouco comprador. Vários investidores responsáveis
e com mandato ESG olham
para a carteira e se perguntam se liquidam aquela posição e
a transformam em pó. Um exemplo é o fundo de pensão de funcionários públicos da
Califórnia, o CalPERS. É um dos maiores do mundo e um dos mais antigos na
agenda ESG. Tinha cerca de US$ 300 milhões em ativos com conexões na Rússia. Se
quiser se desfazer dos ativos agora, US$ 300 milhões viram zero. É muito
dinheiro e é para pagar aposentadorias. A posição dos investidores mais raiz é
de dizer que não é possível ficar associado com ativos na Rússia.
O que pensa sobre o pleito das empresas armamentistas?
A União Europeia criou uma taxonomia de negócios verdes,
definindo setor a setor o que é verde. Foi muito polêmica porque teve a
inclusão de gás e nuclear. Agora está finalizando a taxonomia social,
analisando setores e negócios que entregam externalidades sociais positivas. O
setor de defesa europeu está pleiteando isso e usando o gancho da invasão da
Ucrânia pela Rússia dizendo que a Ucrânia precisava se defender. Acho um
completo absurdo alguém pensar em colocar a indústria da defesa como de impacto
social positivo.
São cinco as abordagens ESG?
Tem quem diga que ESG pode significar qualquer coisa para
qualquer um, que cada um faz sua própria definição. Há um pingo de verdade na
afirmativa. Mas ESG sempre foi classificado com cinco abordagens.
Qual é a primeira?
É a origem do movimento e ficou conhecida como investimento
ético ou filtro negativo. É o investidor que excluía de seu universo de
investimentos, de acordo com seus valores éticos, setores como defesa, tabaco
ou jogos de azar. O debate da guerra é exatamente este: “não concordo com a
guerra e não gostaria de apoiá-la com meu capital, seja de forma direta ou indireta”.
Esse é o ESG 1.0.
E a segunda?
É o chamado filtro positivo ou “best in class”. A ideia é em
vez de excluir as piores, selecionar as melhores observando um conjunto de
métricas ESG. A terceira abordagem é a integração ESG. É o ESG pragmático ou
autointeressado.
ESG pragmático? É usar o fator ESG na decisão quando se
acredita que se irá ganhar dinheiro com ela. Por exemplo: “Ok, pode haver o
acordo do clima, mas se o preço do petróleo está subindo, talvez mais do que
compense o risco de taxação de carbono. Então, não ameaça e vou investir".
E escolher empresas com petróleo mais leve e energias renováveis, por exemplo.
É a tendência que mais cresce.
E a quarta abordagem?
É a stewardship. É o proprietário ativo e responsável
naquele pedaço de empresa que tem, que quer votar nas assembleias de acionistas
e colocar sua agenda ESG ao conselho e à direção da empresa. E com isso
influenciar para que a companhia melhore a prática ESG. É o debate atual de
investidores que não querem investir em empresas ligadas ao desmatamento.
Estas abordagens coexistem? Há uma tendência mais forte?
Coexistem. A abordagem que mais cresceu nos últimos 10 ou 15
anos foi a integração ESG, o pragmatismo.
Há uma quinta abordagem?
O investimento temático, que busca identificar uma tendência
de sustentabilidade do mercado ou da sociedade. Se há descarbonização,
precisamos investir em energia renovável. Ou investir em empresas que
desenvolvem eficiência hídrica.
Por que é importante o ESG se qualificar?
Se você se vende como um investidor ESG, tem que explicar o
que você é. Tenho um fundo ESG que investe nas empresas da bolsa e que tem uma
política de exclusão, de não investir em combutíveis fósseis nem em tabaco.
Então você tirou duas ou três empresas, mas investe em todas as outras. É
diferente de dizer que é um investidor ESG com uma abordagem “best in class”,
isso vai diminuir muito o número de empresas que irá considerar elegíveis. Os investidores
precisam explicar o que estão fazendo.
Como o conceito irá evoluir?
No mercado de investimentos, consegue-se medir bem qual foi
o retorno do fundo. Precisa-se agora medir a externalidade para a sociedade dos
ativos de risco. Isso está começando a ser desenvolvido, mas há uma dificuldade
metodológica. Mede-se, por exemplo, a pegada de carbono do fundo, mas como se
faz isso para biodiversidade ou para diversidade e inclusão no quadro
funcional?
A evolução se dará com indicadores e métricas?
Sim, buscando medir o impacto por unidade investida, por
dólar ou real. A cada real investido
em meu fundo você está emitindo tanto em CO2 equivalente. O
grande desafio que temos é que se consegue fazer isso com carbono, onde temos
métrica, o CO2 equivalente. Existem temas no ESG mais difíceis de serem
quantificados.
O próximo passo
será a descarbonização das carteiras?
É o que gostaríamos de ver, mas só se consegue descarbonizar
carteira se a economia estiver descarbonizando. Há um limite até onde se
consegue ir. Aqui faz diferença ser um investidor de pequeno, médio ou grande
porte.
Qual diferença?
Um investidor profissional de pequeno porte consegue dizer
claramente que não investe em tal setor. Mas imagine que você é um dos maiores
gestores do país, com R$ 1 trilhão para investir. Se eu tirar daqui, onde
coloco? Se a economia não começar a se mover, o investidor grande tem dificuldade
em realocar o ativo. Ele precisa que a economia e a sociedade caminhem também. Isso
aumenta o engajamento dos grandes investidores com a agenda de políticas
públicas.
Os trilhões estão se movendo?
Temos bilhões se movendo. Talvez uns poucos trilhões.
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