O impacto da guerra da Ucrânia no ESG, segundo Larry Fink, da BlackRock
25, Mar. 2022
Desaceleração da transição energética, “desglobalização”,
moedas digitais e inflação: para a maior gestora do mundo, nada será como antes
Por Rodrigo Caetano- Fonte: Exame
A invasão da Ucrânia pela Rússia é um daqueles eventos que
marcam eras. Ainda não se conhece o mundo que emergirá dessa tragédia, porém, é
certo que a era da globalização como conhecemos acabou. A tendência já existia
por causa da pandemia e, agora, haverá uma reavaliação acelerada das
dependências externas por países e empresas. Isso muda a cadeia global de
suprimentos, aumenta os custos e a inflação. Serão tempos difíceis.
Esse é o cenário do pós-guerra imaginado por Larry Fink, CEO
da BlackRock, a maior gestora do mundo com quase 10 trilhões de dólares em
ativos. Ele divulgou na quarta-feira, 24, uma segunda edição da sua tradicional
carta anual aos stakeholders. Na primeira, de janeiro, ele já havia alertado
sobre um surto inflacionário gerado por um menor apreço ao globalismo. Nessa
ele foi mais incisivo.
O desacoplamento da Rússia do sistema financeiro mostra a
força do mercado, que, quando se une em um propósito, promove mudanças
estruturais. Nunca se viu uma resposta tão rápida a uma ameaça à estabilidade
do sistema. Para Fink, o que governos ocidentais e empresas fizeram contra a
Rússia, aplicando sanções inéditas, trata-se de uma verdadeira guerra
econômica.
“O acesso ao mercado de capitais é um privilégio, não um
direito”, escreveu o CEO. “No desenrolar da guerra da Ucrânia, vimos a rapidez
com que o setor privado encerrou relações de negócios e investimentos de longo
prazo.”
Resiliência e adaptação a mudanças de longo prazo
As implicações do conflito desafiam a resiliência dos
investidores, que deve ir além da capacidade de suportar choques repentinos.
“Resiliência também significa entender e endereçar mudanças estruturais de
longo prazo”, disse Fink. “Incluindo as consequências da desglobalização,
inflação e transição energética para companhias, avaliações de mercado e os
portfólios dos nossos clientes.”
A guerra iniciada pela Rússia e seu consequente
desacoplamento do sistema financeiro farão com que empresas e governos
rapidamente repensem os processos de produção, e olhem com mais cuidado para
suas dependências externas. Muitos países enfrentarão um êxodo de companhias
buscando aproximar suas operações, enquanto outros, como Brasil, México e
Estados Unidos, se beneficiarão desse movimento.
Essa reorientação em larga escala da cadeia de suprimentos
será, inerentemente, inflacionária, e os bancos centrais não parecem preparados
para o momento. As autoridades monetárias terão de escolher entre subir os
juros lentamente e conviver com a escalada de preços, ou reduzir a atividade
econômica – e o emprego – para baixar a inflação rapidamente. As duas opções trarão
consequências políticas.
“Por fim, um aspecto pouco debatido dessa guerra é o seu
potencial impacto em acelerar a adoção de moedas digitais”, conclui Fink. Antes
da guerra, o banco central americano iniciou um estudo para avaliar as
implicações de um dólar digital. No pós-guerra, muitos países também
reavaliarão suas dependências de moedas estrangeiras, abrindo caminho para um
sistema monetário digital, que tem o potencial de baixar os custos das
transações internacionais.
A transição energética na berlinda
Em grande parte, o petróleo é o grande catalisador da crise
energética provocada por Vladimir Putin e seus delírios nostálgicos. Mas, para
Fink, a solução também está no petróleo, pelo menos a curto prazo. O mundo
opera hoje a partir de uma matriz energética marrom, diz ele, e precisa
caminhar para uma matriz verde. Essa jornada passa pelo marrom-claro, o
verde-claro e, finalmente, o verde que te quero verde.
No curto prazo, a tendência é de um escurecimento da paleta
de cores, com países investindo mais em combustíveis fósseis, incluindo o
carvão. “No longo prazo, acredito que os eventos recentes irão, na realidade,
acelerar a transição para fontes mais verdes de energia em diversas partes do
mundo”, diz Fink. “Durante a pandemia, vimos como uma crise pode atuar como
catalizador de inovações. Altos preços de energia também reduzem o prêmio a ser
pago pelas fontes limpas e tornam tecnologias como o carro elétrico mais
competitivas.”
A magnitude das ações russas será sentida por décadas. Nos
próximos anos, a BlackRock deve estreitar seu relacionamento com empresas de
petróleo, no que pode parecer um retrocesso em seu discurso sobre um novo
capitalismo. Fink não se abala com as aparências.
“Não consigo pensar em uma época em que tenha sido mais importante se manter fiel a seus princípios e propósito, e focar nas necessidades dos nossos clientes, funcionários e comunidades. Se trabalharmos direitos, nossos acionistas serão os grandes beneficiários dessa nossa abordagem. Tenho esperança de que um mundo melhor e mais seguro emergirá com o tempo”, define o atento e otimista CEO.
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