A responsabilidade do Estado no caso dos desastres naturais
27, Fev. 2023
Por Rizzatto Nunes –
Fonte: Migalhas -Colunas ABC Do CDC
Infelizmente, todo início de ano é a mesma coisa: as chuvas
causam estragos e fazem vítimas, feridos e mortos, em dezenas de localidades
brasileiras. E parte disso é previsível. Volto, pois, ao tema da
responsabilidade do Estado no caso das catástrofes climáticas.
Os acontecimentos envolvendo o drama das pessoas nos
alagamentos, deslizamentos de terras, quedas de barreiras, destruição de
imóveis etc. em vários pontos do país são o retrato de uma política de omissão
que, ao que tudo indica, repetir-se-á no ano que vem, assim como já
aconteceu no ano passado e nos anteriores.
Do ponto de vista jurídico, a questão principal da
responsabilidade civil do Estado não envolve diretamente direito do consumidor
- embora indiretamente sim, na questão da prestação dos serviços públicos
essenciais. Mas, faço questão de apresentar, na sequência, um resumo dos
direitos das pessoas afetadas e da responsabilidade dos agentes públicos.
A responsabilidade do Estado no caso de acidentes
naturais derivados de enchentes e desmoronamentos
As várias tragédias relativas a inundações provocadas por
chuvas regulares e previsíveis, assim como por aquelas extraordinárias e também
os desmoronamentos de encostas, prédios, casas e o soterramento de pessoas
gerando mortos e feridos, são eventos de tamanha gravidade que, pode-se dizer,
passou muito da hora da tomada de posição séria pelas autoridades no que
diz respeito à ocupação do solo e às necessárias ações preventivas visando à
segurança das pessoas e de seu patrimônio. De nada adianta ficar acusando
as vítimas depois das ocorrências, como se vê em alguns casos, eis que, certo
ou errado, elas já estavam vivendo nos locais conhecidos abertamente. Afinal,
as pessoas precisam morar em algum lugar.
É verdade que, quando surgem eventos climáticos não
previstos, como, por exemplo, chuvas caindo em quantidade nunca vistas, acaba
sendo possível justificar a tragédia por força do evento natural. Mas, naqueles
casos em que os eventos climáticos são corriqueiros, ocorrem na mesma
frequência anual e em quantidades conhecidas de forma antecipada e,
também, nas situações em que a ocupação do solo feita de forma irregular
permitia prever a catástrofe, o Estado é responsável pelos danos e deve
indenizar as vítimas e familiares. A legislação brasileira é clara a respeito.
Lembro, pois, na sequência, um resumo dos direitos envolvidos.
Responsabilidade civil objetiva
A Constituição Federal estabelece a responsabilidade civil objetiva do Estado pelos danos causados às pessoas e seu patrimônio por ação ou omissão de seus agentes (conforme § 6º do art. 37). Essa responsabilidade civil objetiva implica que não se exige prova da culpa do agente público para que a pessoa lesada tenha direito à indenização. Basta a demonstração do nexo de causalidade entre o dano sofrido e a ação ou omissão das autoridades responsáveis.
Anoto que, quando se fala em ação do agente público, isto é,
conduta comissiva, está se referindo ao ato praticado que diretamente cause o
dano. Por exemplo, o policial que, extrapolando as medidas necessárias ao
exercício de suas funções, agrida uma pessoa. Quanto se fala em omissão, se
está apontando uma ausência de ação do agente público quando ele tinha o dever
de exercê-la. Caso típico das ações fiscalizadoras em geral, decorrente do poder
de polícia estatal. Nessa hipótese, então, a responsabilidade tem origem na
falta de tomada de alguma providência essencial ou ausência de fiscalização
adequada e/ou realização de obra considerada indispensável para evitar o
dano que vier a ser causado pelo fenômeno da natureza ou outro evento qualquer
ou, ainda, interdição do local etc.
Muito bem. Em todos esses casos de inundações,
desmoronamentos, soterramentos etc. causando a morte e lesando pessoas o Estado
será responsabilizado se ficar demonstrado que ele foi omisso nas ações
preventivas que deveria ter tomado. Se, de fato, os agentes públicos deveriam
ter agido para evitar as tragédias e não o fizeram, há responsabilidade. Tem-se
que apenas demonstrar que a omissão não impediu o dano, vale dizer, a vítima ou
seus familiares (em caso de morte) devem demonstrar o dano e a omissão para ter
direito ao recebimento de indenização.
Caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima
Antes de prosseguir, lembro que o Estado não responderá nas
hipóteses de caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima ou
terceiros. No entanto, os eventos da natureza que se caracterizam como fortuito
são os imprevisíveis, tais como terremotos e maremotos e até mesmo chuvas e
tempestades, mas desde que estas ocorram fora do padrão sazonal e conhecido
pelos meteorologistas. Reforço esse último aspecto: chuvas sazonais em
quantidades previsíveis não constituem caso fortuito porque as autoridades podem
tomar as devidas cautelas para evitar ou, ao menos, minimizar os eventuais
danos.
A força maior, como é sabido, é definida como o evento que
não se pode impedir, como por exemplo, a eclosão de uma guerra. E a culpa
exclusiva da vítima ou de terceiro, como a própria expressão contempla é causa
excludente da responsabilidade estatal porque elimina o nexo de causalidade
entre o dano e a ação ou omissão do Estado. Aqui dou ênfase ao que importa: a
exclusão do nexo e, consequentemente, da responsabilidade de indenizar nasce da
exclusividade da culpa da vítima ou do terceiro. Se a culpa da vítima for
concorrente, ainda assim o Estado responde, embora, nesse caso, deva ser levado
em consideração o grau da culpa da vítima para fixar-se indenização em valor
proporcional. Dou como exemplo de culpa concorrente, o da construção de uma
casa que exigia a tomada de certas medidas de segurança que foram desprezadas
pelo agente de fiscalização e, também, pela vítima.
Rizzatto Nunes é desembargador aposentado do TJ/SP, escritor e professor de Direito do Consumidor.
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